Saber se é possível perder a salvação é uma das discussões que permeiam a vida dos cristãos modernos(pós-reforma). Essa dúvida surgiu, principalmente quando Calvino elaborou o seu Tratado sobre a Salvação.
A questão da possibilidade de uma pessoa perder a salvação após ter sido salva foi motivo de disputa teológica entre calvinistas e arminianistas desde então, e de modo geral, cada grupo corre em defesa de sua tese utilizando textos bíblicos(às vezes os mesmos para questões opostas) para justificar seus pontos de vista. Mas será que a Bíblia é clara sobre isto? Que tal darmos uma olhada em alguns textos que tratam desse assunto? Aproveito para dizer que eu apenas apresento os textos e deixo para o leitor a sua conclusão, embora eu não esconda a minha visão sobre o tema.
Previsão e predestinação: Uma visão pessoal sobre salvação.
Existe uma diferença entre previsão e predestinação. Na previsão, você sabe o que vai acontecer sem ter que, necessariamente, interferir para que aconteça, enquanto que na predestinação o acontecimento está determinado previamente, e seus envolvidos não têm nenhum poder de decisão sobre os fatos.
Soa muito estranho imaginar que Deus envie para o inferno pessoas as quais ele determinou que iriam se perder. Afinal, essas pessoas não têm como decidir se irão se salvar ou não, e portanto, não poderiam ser consideradas responsáveis pela sua perdição. Se pensarmos assim, teremos que aceitar que Deus irá condenar pessoas que não foram responsáveis pela sua rejeição ao evangelho.
Previsão divina e não predestinação
Embora Deus possa interferir em certos momentos da história, as decisões finais ficam para cada indivíduo, deixando-os responsáveis por suas atitudes e as consequências delas.
Um exemplo é o caso do Faraó que teve o coração “endurecido” por Deus. A verdade é que Deus lhe deu muitas oportunidades de reconhecê-lo como criador poderoso. Mas o Faraó, a cada evidência do poder de Deus, ficava mais obstinado e rebelde, tornando-se insensível ao poder divino. Nesse caso, Deus previu a rebeldia do faraó e lhe deu ainda mais oportunidades para rejeitá-lo. Não foi Deus quem tornou o coração do Faraó endurecido, mas o próprio Monarca que o fez diante das pragas. Entretanto, ainda podemos dizer que Deus atuou nesse caso.
Em outros, Deus apenas relatou um acontecimento futuro, sem necessariamente, ter que atuar diretamente para seu cumprimento.
Isso explicaria o fato de Jesus saber que Pedro o negaria. Da mesma forma, o fato de Jesus saber que Judas era o traidor não implica que ele o tenha designado para isso, já que a divindade trabalha com fatos, e só interfere na realidade de forma objetiva, não para manipular a existência, mas como agente dela.
Dessa forma creio que a presciência não é predestinação. O fato de Deus saber que algo vai acontecer não significa que ele manipulou a realidade para que tal coisa aconteça, mas apenas que ele circula entre a realidade de forma atemporal, já que ele mesmo se auto-designou como “Aquele que é,” o verbo(Ser), sempre no presente.
Um texto bíblico importante sobre livre arbítrio
Um exemplo importante sobre a salvação é o texto de apocalipse Apocalipse 3:11.
”Eis que venho sem demora; guarda o que tens, para que ninguém tome a tua coroa.”
Neste texto, Jesus Cristo está falando com os cristãos e os adverte a manterem a fé, sob risco de perderem a coroa. Ora, não precisa ser teólogo para entender que a ”coroa” é um símbolo da salvação e que, se é possível perdê-la, então a salvação não é algo que uma vez concedida não possa ser retirada.
Mas se isso já deveria encerrar o assunto, a “graça irresistível” põe ainda mais letra no artigo. De um modo simples, as duas teorias colocam o ser humano como passivo na salvação, já que a graça é irresistível para aqueles que foram eleitos e que, uma vez salvo, não há possibilidade de perdição.
“Se a salvação é algo que se perde, pode ter certeza de que você não vai para o céu“, dizem os calvinistas. Embora a ideia de perder a salvação signifique perder o céu, a frase tem a intenção de tirar do homem a responsabilidade da sua própria perdição.
É possível resisitir à graça divina
Analisemos, rapidamente, alguns textos:
“Visto estarmos cooperando com ele, nós vos exortamos a não deixar sem efeito a graça recebida de Deus. Pois ele diz: ‘No momento favorável, eu te atendo, e no dia da salvação venho em teu socorro. Eis agora o momento inteiramente favorável. Eis agora o dia da salvação” (II Cor 6:1-2)(grifo meu)
Afinal, para anular o efeito de alguma coisa é necessário que tal coisa tenha efeito. Então, para anular o efeito da graça, que é salvar, é preciso que a pessoa que anula tal efeito, tenha sido salva em algum momento.
O texto seguinte deixa claro que é possível também resisitir à graça:
“Assim, como diz o Espírito Santo: ‘Hoje, se vocês ouvirem a sua voz, não endureçam o coração, como na rebelião, durante o tempo de provação no deserto, onde os seus antepassados me tentaram, pondo-me à prova, apesar de, durante quarenta anos, terem visto o que eu fiz. Por isso fiquei irado contra aquela geração e disse: Os seus corações estão sempre se desviando, e eles não reconheceram os meus caminhos’” (Hb 3:7-10, NVI)(Grifo meu)
Sim, a Bíblia diz que é possível resistir ao Espírito Santo. De fato, como entender um Deus de amor se ele te obriga a amá-lo? E pior; se Ele te designa pra perdição desde o teu nascimento?
No texto a seguir, Paulo fala aos irmãos, portanto crentes. Ele pede que tenhamos cuidado para não nos afastar-mos de Deus.
“Cuidado, irmãos, para que nenhum de vocês tenha coração perverso e incrédulo, que se afaste do Deus vivo. Pelo contrário, encorajem-se uns aos outros todos os dias, durante o tempo que se chama “hoje”, de modo que nenhum de vocês seja endurecido pelo engano do pecado“ (Hb 3:12-13)
Uma pessoa hoje salva, pode se acostumar com o pecado ao ponto de se afastar de Deus, e essa é uma decisão pessoal, nada tendo a ver com algum tipo de predestinação. Pelo menos, eu não encontrei nada que corroborasse com essa ideia.
A salvação é um provisão divina a todo o que crê voluntariamente
A salvação foi um provisão de Deus ao pecador. Como ele disse:
E nos predestinou para filhos de adoção por Jesus Cristo, para si mesmo, segundo o beneplácito de sua vontade, Efésios 1:5
Segundo este texto, todos fomos predestinado para adoção. É um erro artibuir outro significado ao termo “beneplácito da sua vontade” que não o que está escrito, que Deus teve boa vontade para com toda humanidade.
Em sequência, o Apóstolo faz uma sequência do processo da salvação.
“E aos que predestinou a estes também chamou; e aos que chamou a estes também justificou; e aos que justificou a estes também glorificou”. Romanos 8:30
Este texto é muito utilizado para justificar a predestinação. O texto, porém não diz isso. Se Deus predestinou toda humanidade para ser salva, ele também chamou toda humanidade. E consequentemente, justificou todo aquele que aceitou o chamado e glorificou todo que foi justificado. Eu observo um “funil” nesse processo. Os glorificados são aqueles que aceitaram todas as etapas anteriores. Observe que a mesma ideia está em Romanos 8:29 e Efésios 1:1.
A salvação é condicional
Ao mesmo tempo, em toda bíblia encontramos Deus apresentando as condições para salvação. Ora, se há condições, é porque o papel de aceitar ou rejeitar a salvação pertence ao ser humano e não a Deus.
“Eu sou a videira; vocês são os ramos. Se alguém permanecer em mim e eu nele, esse dá muito fruto; pois sem mim vocês não podem fazer coisa alguma. Se alguém não permanecer em mim, será como o ramo que é jogado fora e seca. Tais ramos são apanhados, lançados ao fogo e queimados.” (Jo 15:5-6)
O próprio Cristo adverte sobre a permanência na sua presença. “Se” ele diz. Ou seja, a salvação é condicional e permanecer ou não cabe ao pecador, e não à Jesus.
Se a salvação é involuntária, então o texto a seguir é inútil. Afinal, qual a utilidade desta advertência se a salvação é por predestinação e a graça é irresistível?
“Assim, aquele que julga estar firme, cuide-se para que não caia!” (1Co 10:12).
No mais, viva de acordo com a sua fé e procure crescer sempre mais no conhecimento da palavra de Deus.
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Ótima análise sobre o aspecto relacionado à perca da salvação, entretanto, minha ressalva com esse estudo é a nítida parcialidade em relação a um campo teológico. Contudo, é ainda uma ótima análise com bases bíblicas e racionalidade.